Na minha penúltima coluna abordei o triste comportamento nosso em relação ao sucesso alheio, quando torcemos contra nossos heróis. Quero continuar neste assunto e ampliá-lo na perspectiva política, campo polarizado que nos isola em grupos distintos.
Não vou rotular esse movimento, com práticas antagônicas nos aspectos sócio, político, econômico, cultural e religioso, direita e esquerda e sim de humanistas e não humanistas. Afinal, antes de sermos ideológicos ou partidários, somos humanos, ou melhor deveríamos ser, já que dispomos de corpo equipado com cérebro evoluído, cuja atribuição é processar inteligência, fato que nos diferencia das demais espécies animais.
Saímos da caverna, do contexto primitivo, vivemos diferentes eras evolutivas e chegamos ao mundo socialmente regulado por leis, hábitos, crenças, costumes, regras, independente de raças e de estágios de desenvolvimento. Teoricamente, nos tornamos interplanetários, graças ao progresso da ciência e da tecnologia, conquistas nunca vistas antes no cosmo conhecido e dominado pela humanidade.
E mesmo depois de tantas evoluções, erradicações de doenças, engenharias fantásticas de acessos e intervenções na terra, na água e no espaço, e outros tantos feitos extraordinários, a pergunta que faço todos os dias a mim mesma é: por que o padre Júlio Lancellotti não tem paz?
A resposta não é simples, mas tenho meu ponto de vista. Os não humanistas dependem da desestabilização social para prosperarem e usam, continuamente, a estratégia de fomentar o mal como meio para conseguir esse desequilíbrio, afinal, a maldade se alimenta da obscuridade.
Esse grupo, mundialmente chamado de extrema direita, acredita que todas as riquezas e vantagens do Planeta devem ser dele, com exclusividade, e luta para aniquilar qualquer força que esteja sendo usada para promover a igualdade, a justiça social, princípios que estão inclusive na Constituição Federal e nos ensinamentos cristãos.
Esses encrenqueiros atuam como lançadores de bombas caseiras, devidamente programadas para atacar alvos que ecoam exponencialmente essa hostilidade. O sofrimento dos diferentes é um fetiche e estímulo ao gozo coletivo. Por isso, estão sempre buscando novos arranca-rabos com artilharias do ódio. Acredito que uma pequena parte desse grupo seja cabeça; o restante, corpo acéfalo, é manipulado como marionete circense.
Os moradores de rua não foram inventados pelo padre Júlio. Eles são frutos da herança escravagista e da casta econômica brasileira, uma das mais perversas do mundo. Estima-se que no Brasil 270 mil pessoas vivem nas ruas. Somente na cidade de São Paulo, cerca de 70 mil brasileiros e imigrantes vivem sem um teto, onde padecem em farrapos, alijados dos direitos que têm como cidadãos.
Existem milhares de pessoas, ligadas a instituições ou não que, assim como o Padre Júlio, trabalham com esses excluídos e não são atacados, ou vítimas de CPI ou de outras perseguições e multas de 17 mil reais. O fato é que sendo o padre um líder, branco, corajoso e persistente, expõe diariamente uma ferida social que não devia existir. Na figura dele, estão depositados admiração, esperança, amor humanitário e até uma certa terceirização da caridade, por parte dos humanistas, que o tratam como um herói. Já os não humanistas o usam como caixa de ressonância, para propagar a mensagem: no nosso mundo, pobres não são bem-vindos, especialmente os que não alcançam a meritocracia de habitar uma casa.
O que incomoda esse exército imbecil e desalmado não é o pão feito e distribuído aos famintos, mas sim a ideia superior de bondade, de conexão com a existência suprema de amor, que vai além do alimento físico. O trabalho do padre Júlio é uma forma de evolução espiritual, de céu, privilégios que essa gente jamais vai alcançar. Então, o Padre Júlio é o meu herói da atualidade e tem o meu voto para um prêmio Nobel.