Minha mãe era daquelas mulheres que sabia fazer de tudo em uma casa, inclusive costurar. Minhas roupas, até a adolescência, foram feitas por ela. Me lembro de várias peças especiais: um vestidinho vermelho, com bordados brancos nos bolsinhos que ganhei dela quando era muito pequena, devia ter uns três ou quatro anos, por ocasião da Páscoa que, às vezes, coincide com meu aniversário.
Um vestido verde clorofila, de seda, com alças fininhas e dupla saia, com recortes que lembravam folhas, para o réveillon dos meus 20 anos. Outra preciosidade que guardo até hoje, um conjunto de crepe de lã, uva, saia e blazer, forrado de cetim, feito para a solenidade da promulgação da Lei Orgânica, em 01 de agosto de 1989, da cidade de Piracicaba. Minhas memórias são recheadas de imagens, cores, desenhos e as vestimentas ocupam lugar importante nesse baú de recordações.
Brinquei até aos 14 anos com bonecas, pobres bonecas de plástico, de abóboras e de espigas de milho. Adorava fazer as roupinhas delas, com retalhos que achava no chão da sala de costura de minha mãe. Sabia dar os acabamentos com pontos delicados, bem-feitos, copiando a costureira-mor no capricho, a cada roupa que fazia.
Assim, cresci com amor especial às costureiras. E tenho prazer ao entrar em lojas de tecidos, tocar as texturas com a ponta dos dedos, imaginar composições de tons sobre tons, ver lançamentos novos, me imaginar com figurinos desenhados à mão, quando me encanto com uma estamparia especial. Hoje, muito esporadicamente, mando confeccionar um modelito. Me rendi à facilidade da moda prêt-à-porter, expostas à sedução nas belas vitrines.
E nesse mundo fabuloso das costuras encontrei pessoas valiosas. Por muitos anos, tive uma costureira chamada dona Edilene. Ela morava no bairro Cristo Rei, em Várzea Grande, lá pelos idos da década de 90. Eram sagrados meus fins de semana com ela, levando e trazendo costuras, um prazer terapêutico que só entende quem aprecia a arte escondida nos emaranhados de panos e linhas dos ateliês.
Dona Edilene costurou parte do enxoval do meu primeiro filho e muitos vestidos, calças, blusas para mim e para muitas amigas que se encantavam com o trabalho dela. Era perfeito. A casa onde ela morava era muito simples e a humildade dessa grande estilista escondia habilidades e talento indescritíveis. Nada era difícil para ela. Sabia fazer qualquer modelo, transformava tecidos básico em peças elegantes e refinadas.
Certa vez, folhando uma revisa de moda, vi um blazer de linho, pérola, com mangas levemente bufantes, vazadas em bordados Richelieu. Comprei o tecido e o levei para dona Edilene, para que me ajudasse a achar uma bordadeira capaz de realizar o sonho de possuir aquela peça clássica. Não achamos. Passado um tempo, chegou em minhas mãos o blazer pronto, com a perfeição divina nos bordados. As mãos da fada tinham feito exatamente como o modelo mandava. Fui ao êxtase com aquela criação. Mas, o tempo passou e eu perdi o contato dessa artista maravilhosa.
Nestes dias, no apagar das luzes de 2023, próprios para balanços e descartes, olhei para alguns cabides do meu closet e lá estava meu blazer querido, o abracei com lágrimas nos olhos, observei cada detalhes, o quanto impecável ainda está cada pontinho do Richelieu e me perguntei: onde estará dona Edilene? Enquanto não a reencontro, vou continuar guardando essa memória viva da arte esculpida, com agulhas e linhas, que nos uniu e deixou saudade.